Após o último corte na taxa de juros realizado na semana passada, que levou a Selic a sua mínima histórica de 5,50% ao ano, o mercado de discute os possíveis risco deste cenário e comparando a outros acontecimentos com a crise dos subprime nos Estados Unidos em 2008. O momento ainda não representa nenhum risco a economia brasileira, já que o momento econômico atual demanda por crédito como forma de impulsionar a retomada do crescimento. Pois diferente dos últimos ciclos de expansão vividos no Brasil, que foram através do aumento nos investimentos públicos que acabou colocando o país na atual crise fiscal que se encontra. O crédito privado terá de cumprir as lacunas deixadas pelo setor público, mas que diferente das práticas do estado os bancos privados são muitos mais criteriosos na expansão de suas carteiras de crédito. Além de que as instituições bancárias no Brasil devido ao ambiente mais desafiador do país sempre tiverem que ter controles de risco mais robustos que os observados em bancos nos Estados Unidos, o que reforça de forma positiva a capacidade dos bancos de conseguir avaliar melhor os risco ao conceder uma linha de crédito. Por último é sempre importante reforçar que o atual patamar de juros no qual o país de encontra, apesar de parecer baixo a nós brasileiros, é considerado por muitos como o normal quando comparado a nossos pares emergentes. O Brasil historicamente sempre foi um país de juros altos até mesmo para países com perfil semelhante ao seu, o que levou o mercado local a se acostumar com taxas mais elevadas e que irá demandar uma mudança desta expectativa tanto pelo investidor como pelo empresário.
Para economistas, não há bolhas, mas cabe monitorar Por Alex Ribeiro — De São Paulo | 20/09/2019
A queda dos juros a níveis ainda mais baixos - e a perspectiva de manutenção desse ambiente por um período prolongado de tempo - deverá exigir vigilância redobrada do Banco Central e outros reguladores do sistema financeiro para evitar o surgimento de eventuais bolhas.
Por enquanto, os riscos são contidos, afirmam economistas, com o crescimento ainda incipiente do mercado de crédito bancário e a ausência de sinais palpáveis de inflação de ativos. A experiência internacional mostra, porém, que períodos prolongados de juros baixos podem levar o sistema a tomar riscos excessivos.
No Brasil, já está em curso um movimento de migração, para ativos mais arriscados, de recursos aplicados em bancos e em títulos públicos, cujos rendimentos caíram desde que os juros básicos chegaram à mínima histórica, em fins de 2017. Boa parte dos recursos foi para plataformas de investimentos, em busca de retornos mais altos.
O ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga diz que é cedo para falar em riscos latentes para estabilidade financeira. “Mas cabe monitorar, com foco em alavancagem no sistema e produtos pouco transparentes”, afirma ele. “Imagino que eles estejam de olho, dado o tamanho da queda dos juros e os sinais preliminares de que o dinheiro parece estar queimando nas mãos de muitos.”
“Hoje, no Brasil, provavelmente a Selic que leva a inflação para a meta também gera um bom apetite por diversificação de riscos, e alocações mais agressivas”, diz o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, que como diretor de Política Econômica do BC ajudou a montar a resposta do Brasil à crise financeira mundial de 2008. “Por ora, não parece ter bolhas, mas a persistir esse quadro de juros baixos - e pode persistir - o risco de bolhas pode aparecer.”
Anteontem, o Banco Central cortou os juros básicos da economia de 6% ao ano para 5,5% ao ano, e ganha força a aposta no mercado de queda abaixo de 5% até o fim do ano. A taxa básica começaria a subir novamente apenas em 2021, segundo preveem analistas econômicos.
Os juros mais baixos não são a única força que empurra o mercado para a maior tomada de riscos. O Banco Central já anunciou que pretende fazer uma redução significativa dos depósitos compulsórios dos bancos, que alguns analistas calculam que possa injetar R$ 200 bilhões na economia nos próximos dois anos.
Paralelamente, promove uma agenda de desregulamentação financeira, reduzindo o crédito direcionado e ampliando o livre. Uma das medidas mais significativas é a permissão para os bancos realizarem empréstimos com prestações corrigidas pela inflação. O BC tem planos, ainda, de aprofundar a liberalização cambial, caminhando para a conversibilidade da moeda. Os bancos, ao mesmo tempo, vêm sofrendo uma maior pressão competitiva das empresas de tecnologia financeira, as fintechs, com potencial de estimular a maior tomada de risco para manter os níveis de rentabilidade dos negócios.
São riscos que estão no horizonte de médio e longo prazo, mas a realidade mais imediata é um mercado ainda pouco aquecido - sobretudo no setor bancário, que tem potencial de causar estragos mais devastadores nas crises financeiras, devido ao seus níveis de alavancagem.
O indicador mais abrangente do grau de aquecimento do setor é o chamado hiato do crédito, que mostra se a expansão dos financiamentos da economia está ocorrendo acima ou abaixo de sua tendência de longo prazo. Hoje, o hiato do crédito é negativo em um pouco mais do que 4% do Produto Interno Bruto (PIB), pelos cálculos do BC. Em uma medida compilada pelo BIS (Banco de Compensações Internacionais, na sigla em inglês), está negativo em 1,5% do PIB.
Esse é um dos dados mais importantes - mas não o único - nas decisões de bancos centrais de exigir que os bancos reforcem o seu colchão de capital nos ciclos de expansão de crédito para absorver eventuais perdas quando os ventos mudam de lado. Com hiatos negativos de até 2% do PIB, em geral os reguladores não exigem mais capital dos bancos.
A abertura dos dados do hiato do crédito, porém, mostra realidades diferentes para o mercado bancário (negativo em mais de 6% do PIB, no dado do BC) e do mercado de capitais, que está positivo em cerca de 2% do PIB, o que significa um maior grau de aquecimento. As captações com papéis privados, como debêntures e títulos securitizados, cresceram 33% nos 12 meses até julho.
São vários os exemplos no mundo de desequilíbrios causados pelos juros baixos, como a crise da Nasdaq, na década de 1990, e a do subprime, em 2008. Mas um economista com experiência no BC e no mercado financeiro argumenta que há diferenças entre uma queda sustentada de juros, como a que ocorre no Brasil, e juros artificialmente baixos que levaram a períodos de “exuberância irracional”.
O Brasil, com as reformas fiscais, estaria dando mais um passo na convergência para taxas de juros estruturais mais “normais” pelos padrões internacionais, que leva a alocações mais “normais” das carteiras, em contraposição aos juros em patamares anormalmente altos. Isso significa um peso maior em instrumentos de mercados de capitais, contendo mais risco privado em vez de soberano, conexão mais direta com o setor real da economia e prazos mais longos.
No caso dos títulos privados, apesar da alta de 33% em 12 meses, o estoque dessas operações no mercado é relativamente pequeno, de pouco mais de 10% do PIB. Com uma base tão pequena, haveria espaço para crescer.
Juros estruturalmente mais baixos também levam, naturalmente, a uma elevação dos preços dos ativos reais sem que isso se configure uma bolha. O preço de um ativo deve corresponder ao valor presente, descontado de seu fluxo esperado de renda. Assim, a queda da taxa de juros pela qual se calcula esse valor presente descontado naturalmente eleva o preço. Atualmente, porém, preços de ativos que são monitorados de perto por órgãos reguladores, como imóveis, crescem abaixo da taxa de inflação.
O professor de finanças da Cornell University, Murillo Campello, diz que o risco de bolhas financeiras causadas por fluxos de capitais estrangeiros são limitados. “O Brasil é dessincronizado da economia mundial”, afirma ele. “Faz parte da estratégia de diversificação de carteira de investidores, na categoria de emergentes, e não uma tese mais forte de investimento.” Os juros baixos dentro do país têm levado a um fluxo de saída de capitais estrangeiros do Brasil.
Ele reconhece que, potencialmente, a movimentação de capital doméstico poderia alimentar a inflação dos preços de alguns ativos - mas, nesse caso, o motor relevante não é apenas os juros baixos, mas também o grau de incerteza mais geral na economia.
Uma estudiosa de economia bancária diz que a queda dos juros não deverá levar a uma fragilidade das instituições financeiras. Ao contrário da sabedoria convencional, os bancos lucram mais quando os juros baixam, pois crescem os volumes emprestados.
A pressão competitiva das fintechs, por outro lado, tende a ser contrabalançada por duas forças. Primeiro, no Brasil o processo tem sido liderado pelo BC, ao contrário do que correu na Austrália e Reino Unido, o que significa que por aqui haverá uma calibragem mais cuidadosa entre objetivos de competição e estabilidade financeira.
Segundo: os bancos brasileiros detêm a expertise do crédito e investiram muito para medir os riscos, algo que ainda vai ser aprendido ao longo do tempo pelas fintechs. Há, ainda, uma tendência naturalmente mais conservadora das instituições privadas na tomada de riscos.
Uma fonte potencial de estresse dos juros baixos é por meio da taxa de câmbio, afirma um outro economista. As taxas nas mínimas históricas provocam um fluxo de saída de capitais, levando à desvalorização cambial.
Embora esse seja um movimento absolutamente justificado pelo ambiente inflacionário doméstico, os cortes mais recentes da Selic deixam a taxa de câmbio num ponto de partida mais desfavorável no caso de um choque externo.
Nesse caso, o aperto dos juros teria que ser mais forte para manter a inflação na meta. Para esse economista, a execução da política monetária deveria ser mais cautelosa para gerenciar os riscos externos num ambiente internacional cheio de incerteza.