O mercado de capitais vem mostrando ao longo de 2019 uma forte expansão crescendo de tamanho em termos de volume, como pode ser observado pelos números de recursos captados por empresas via emissão de dívida ou capitalização por ações. As cifras alcançadas neste ano, são superiores a vistas nos últimos anos. Mesmo em meio a todas mudanças de expectativas observadas no mercado internacional e local, os ativos brasileiros mostram indícios de fechar o ano com ganhos bem positivos. Porém a questão que fica ao olhar todo esse dinheiro levantado, é saber qual o destino dado para estes recursos pelas empresas. De acordo com a matéria observa-se que os recursos vem sendo usados para o pagamento antecipado de dívidas mais caras, e até na saída de sócios destas empresas que estão vendendo suas posições. O ponto negativo é que os recursos não vão impactar a economia real, que é onde o país mais necessita. O fato da capacidade ociosa destas empresas se manter alta, tende a inviabilizar que as mesmas façam investimentos em novos projetos. A geração de mais empregos por conta destes projetos, colocaria mais dinheiro na economia ajudando na volta do crescimento do PIB. Já destacamos a importância dos investimentos do setor privado na recuperação, uma vez que o governo perdeu a sua capacidade de investir por conta dos gastos ineficientes das gestões passadas. No final é preciso iniciativa de alguém, seja através de novas regulamentações pró mercado ou através da tomada de risco do setor privado através dos investimentos, pois podemos entrar no risco de círculo vicioso de não haver investimentos por falta de crescimento, e o crescimento não acontecer devido ausência de investimento.
Mas falta de crescimento ainda inibe expansão do mercado - Por Ana Paula Ragazzi
As emissões de empresas brasileiras no mercado de capitais doméstico deverão superar os R$ 300 bilhões este ano, um recorde. A maior parcela desse total vem de operações de renda fixa, que, por oferecer melhores condições, está tirando espaço do financiamento bancário.
A alta mais expressiva vem das ofertas de ações, que em nove meses de 2019 tiveram volume oito vezes maior do que em todo o ano passado. Mas esse avanço é em relação a uma base de comparação fraca, e está muito concentrado em operações de empresas já listadas - 22 das 24 operações feitas até setembro. Em resumo, dizem especialistas, o mercado cresceu sim de tamanho, mas esse só poderá ser classificado como um movimento vigoroso quando as empresas estiverem abrindo novas operações para ampliar investimentos.
“Um sinal de mercado vigoroso é quando se tem um volume relevante de novas empresas entrando na bolsa”, afirma Michael Viriato, professor do Insper. No entanto, a maioria das operações em 2019 até agora foi de companhias listadas captando para reduzir dívidas ou ainda seus acionistas se desfazendo de ações - o próprio governo foi responsável por grande operações, como IRB, Banco do Brasil, Petrobras e Caixa. Na dívida, afirma Viriato, o que está se vendo é um processo de desintermediação bancária. “Mas também essa troca de perfil de endividamento não é exatamente uma demonstração de vigor do mercado”, diz o professor.
De janeiro a setembro, as empresas brasileiras captaram R$ 269 bilhões no mercado doméstico. O número supera os R$ 248 bilhões acumulado em todo 2018 - a análise vale mesmo se esse valor for corrigido pelo IPCA do período (R$ 254 bilhões).
O maior crescimento percentual veio das ofertas de ações. De janeiro a setembro, elas somam R$ 57,6 bilhões. Já em 2018 inteiro, elas alcançaram R$ 11, 5 bilhões. À primeira vista, o número deste ano apontaria para uma quebra do recorde dessas operações: o melhor ano para essas ofertas foram no boom dos IPOs, em 2007, quando eles movimentaram R$ 75,5 bilhões; e em 2010, quando as ofertas subsequentes se destacaram e as emissões alcançaram R$ 70,4 bilhões. No entanto, se esses números forem corrigidos pela inflação no período, o que se percebe é que o mercado, este ano, precisaria dobrar nesta reta final para bater qualquer recorde. Ajustadas pelo IPCA, as ofertas em 2007 alcançam R$ 144,5 bilhões; em 2010, somaram R$ 115 bilhões.
Na renda fixa, quando se olha para a emissão de debêntures apenas, nos três primeiros trimestres do ano elas somaram R$ 122,3 bilhões, estáveis em relação a igual intervalo de 2018. Já nos chamados híbridos, que incluem notas promissórias, letras financeiras, certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio (CRA e CRI), fundos de direitos creditórios (FIDC) e fundos imobiliários (FII), o total acumula R$ 89 bilhões, com alta expressiva, de 39%, em relação a igual intervalo de 2018. Nesse ano, o volume com esses instrumentos deve desbancar o ano histórico de 2017, com R$ 92 bilhões (ajustados pelo IPCA).
Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe) aponta dois fatores que explicam o comportamento do mercado neste ano: a queda da taxa de juros e o novo posicionamento do BNDES, com forte redução de crédito subsidiado e atuação em sinergia com o mercado de capitais. É a partir daí, ele diz, que se explica o fato de o índice Ibovespa estar renovando seus recordes, e as empresas estarem trocando a dívida mais cara por outras, mais baratas.
Rocca chama a atenção para o fato de dois terços do valor emitido (em ações) no primeiro semestre se destinar à aquisição de participação acionária. “Não se trata da criação de novas empresas ou o financiamento de novos investimentos, cujas taxas continuam muito baixas”, afirma.
Segundo ele, alguns fatores provavelmente têm inibido novos investimentos: elevada capacidade ociosa, ausência de expectativas de crescimento mais significativo, e altos índices de incerteza. “Embora a queda do custo de capital próprio em linha com a queda da taxa de juros estimule a captação de recursos por emissão de ações, inclusive via abertura de capital, a situação da economia certamente entra com sinal negativo”, diz.
A última pesquisa Focus, do Banco Central, mostrou que, para este ano, as projeções de mercado para o crescimento do PIB subiram de 0,88% para 0,91%. Para 2020, a estimativa é de 2%. Em 2007, no melhor ano para os IPOs na B3, o PIB teve alta de 6%.
George Sales, professor de Finanças do Ibmec-SP, diz que para que as companhias se arrisquem até a bolsa, é preciso mais crescimento econômico. “Vender ações significa aumento de custos, de transparência, e gera uma série de novos procedimentos para a companhia. Não é nem simples, nem barato”, afirma. “As empresas que estão acessando o mercado são aquelas que já estão inseridas nesse contexto. E, agora, estão atendendo à força da demanda do investidor, que busca cada vez mais novas modalidades de investimento em função da taxa Selic menor”, afirma Sales.
Para o coordenador do MBA em gestão financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Teixeira, existe um sinal muito positivo nesse processo: o fato de o mercado estar crescendo e ganhando credibilidade. “O emissor, agora, acredita que vai ter mercado comprador para o papel dele”, avalia. Ele acredita que o IPO pode demorar um pouco mais, pois é uma decisão empresarial e mais custosa do que para quem já está la.
Alexandre Póvoa, sócio da Canepa Asset, não define o ano como de sucesso para a renda variável, pelo fato de somente quatro empresas terem feito IPOs. “Não é para comemorar”, diz o gestor, reforçando que os IPOs só vão voltar quando o crescimento retornar. Em 2007, foram mais de 50 operações.
Nos números, o que mais chamou a atenção de Póvoa foi o forte desempenho dos fundos imobiliários e dos produtos com isenção tributária, como o CRA e o CRI. A captação dos fundos imobiliários, de janeiro a setembro, dobrou, para R$ 23,1 bilhões, em relação a igual intervalo de 2018. “Caíram no gosto do público com uma mistura de boa rentabilidade com pagamento de dividendos e amortizações em cada período”, afirmou Póvoa.
As operações de CRI cresceram 60% e as de CRA, 120% - cada um deles beira os R$ 10 bilhões captados até setembro. “Resta saber se o lastro dessas operações está sendo controlado. Ou seja, uma empresa que emite um CRA tem realmente um lastro em operações agrícolas. Se não for, perde o sentido o governo abrir mão do imposto”, argumenta o gestor.