Por Sergio Lamucci, Ana Conceição, Bruno Villas Bôas e Alessandra Saraiva | De São Paulo e do Rio
A economia brasileira cresceu no segundo trimestre 0,4% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, um resultado melhor do que a encomenda, com altas fortes do investimento, pelo lado da demanda, e da indústria de transformação e da construção civil, pelo lado da oferta. O desempenho superou a mediana das projeções dos analistas ouvidos pelo Valor Data, de expansão de 0,2%, afastando o temor de uma recessão técnica, caracterizada por dois recuos seguidos na comparação com os três meses imediatamente anteriores - no primeiro trimestre de 2019, o PIB recuou 0,1%.
Uma das melhores notícias foi o crescimento da construção. Houve alta no segundo trimestre, de 1,9%, o que contribuiu para o avanço significativo da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e investimentos, construção civil e inovação) no período, de 3,2% sobre o trimestre anterior. Ainda assim, essa melhora se dá sobre uma base deprimida. Em 12 meses, o PIB acumula alta de apenas 1%.
Os juros em queda, a melhora da confiança devido à iminente aprovação da reforma da Previdência e a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) devem dar impulso à atividade no segundo semestre. Joga contra a piora do cenário externo, devido à desaceleração da economia global e a intensificação da crise na Argentina. A expectativa é que a retomada siga em ritmo gradual. Há sinais positivos na construção residencial, nas vendas no varejo, especialmente de veículos, e algum aumento da confiança empresarial e do consumidor. Os números do crédito para automóveis e para o setor imobiliário também têm sido favoráveis.
A demanda doméstica final mostrou uma aceleração considerável, passando de quase estabilidade no primeiro trimestre - 0,05% - para uma alta no segundo de 0,5%, como ressalta o economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs. O indicador é composto por consumo das famílias, consumo do governo e investimento, excluída a variação de estoques. O destaque entre os três componentes foi a alta da formação bruta de capital fixo, uma notícia mais do que bem-vinda, uma vez que a recuperação dependerá bastante do investimento, num quadro em que o consumo das famílias ainda está contido pela fraqueza do mercado de trabalho, o consumo do governo está travado pelo ajuste fiscal e o setor externo é afetado pela perda de fôlego da economia mundial.
"O investimento é elemento inicial de retomada de crescimento e a sinalização é de que tanto máquinas e equipamentos quanto construção civil residencial parecem começar a recuperação, especialmente este último", diz, em nota, o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.
A taxa de investimento, porém, permanece baixa, como lembra Ramos. Ficou em 15,9% do PIB entre abril e junho, acima dos 15,3% do PIB do mesmo período de 2018, mas significativamente abaixo dos mais de 20% do PIB observados entre 2010 e 2013, nota ele.
No segundo trimestre, o consumo das famílias, que tem peso de dois terços no PIB pelo lado da demanda, cresceu 0,3% em relação ao trimestre anterior, enquanto o consumo do governo recuou 1%, refletindo o esforço do setor público em conter gastos.
As exportações, por sua vez, caíram 1,6% nessa base de comparação, num cenário de demanda externa mais fraca. As importações subiram 1%. Com isso, o setor externo tirou 0,4 ponto percentual do PIB no segundo trimestre, nas contas de Ramos.
No lado da oferta, a principal surpresa veio da indústria, que cresceu 0,7%. Os principais responsáveis por essa alta foram a indústria de transformação, com avanço de 2% sobre o trimestre anterior, e a construção civil, com aumento de 1,9%. A indústria extrativa foi mal outra vez, registrando queda de 3,8%, em boa parte ainda um reflexo da tragédia com a barragem da Vale em Brumadinho, em Minas Gerais. Já a agropecuária recuou 0,4% na comparação com o primeiro trimestre, enquanto os serviços, que respondem por mais de 70% do PIB pelo lado da oferta, avançaram 0,3%.
Com a alta do PIB de 0,4% no segundo trimestre, uma nova leva de reduções das projeções de crescimento para 2019 não deverá ocorrer, como era possível se o crescimento tivesse ficado em 0,2% ou menos. O consenso de mercado aponta para uma expansão do PIB de 0,8% neste ano. Para que isso se concretize, é preciso uma alta média do PIB de 0,2% a 0,3% no terceiro e no quarto trimestres, nas contas do economista Luka Barbosa, do Itaú Unibanco.
Um avanço de 1% em 2019 parece hoje factível, segundo os analistas da LCA Consultores. Para que isso ocorra, é necessário que o PIB avance a um ritmo de 0,4% nos dois trimestres restantes do ano. Na visão da consultoria, a queda adicional dos juros, a melhora da confiança associada ao avanço de reformas e a adoção de medidas para estimular o consumo, como a liberação dos recursos do FGTS, "sugerem que é razoável uma variação do PIB próxima de 1% no acumulado de 2019". O cenário externo, porém, pode afetar essa expectativa nos próximos meses, pondera a LCA, enfatizando em especial a piora das condições da Argentina.
Apesar da alta do PIB de 0,4% no segundo trimestre, Barbosa, do Itaú Unibanco, diz não ver sinais de aceleração da atividade. O banco calcula um indicador de crescimento subjacente, que segue estável em 1% há nove trimestres. O índice é composto por dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do nível do índice de confiança empresarial da Fundação Getulio Vargas, do crédito para pessoa física e jurídica e da difusão de dados de atividade.
Nesse cenário, Barbosa manteve a projeção de crescimento para o ano em 0,8%, também por causa de informações preliminares negativas relativas ao terceiro trimestre. Ele cita como exemplo a importação de bens intermediários (insumos e matérias-primas), que tem boa correlação com a produção industrial.
No acumulado em 12 meses, o PIB tem orbitado na casa de 1% desde o fim de 2017, quando atingiu 1,1%. Nos 12 meses até o segundo e o terceiro trimestres de 2018, teve expansão de 1,4%, mas o ritmo não se sustentou. Caiu para 0,9% até o primeiro trimestre de 2019 e voltou para 1% no segundo trimestre deste ano. Para 2020, a expectativa é de uma aceleração para a casa de 2%, o que vai depender do investimento e do consumo das famílias - os gastos públicos e o setor externo não vão ajudar.