Inflação no país parece sentir ‘efeito Amazon’

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Inflação no país parece sentir ‘efeito Amazon’

Tese defende que tecnologia puxa preços para baixo

Por Alex Ribeiro — De São Paulo 18/11/2019

Mario Mesquita: Aplicativos favorecem a pesquisa de preços e reduzem ineficiências em canais de venda, mas não eliminam relação entre inflação e ociosidade — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Aplicativos de serviços e plataformas de comércio eletrônico podem estar puxando a inflação para baixo, reproduzindo no Brasil um fenômeno global conhecido como “efeito Amazon” ou “efeito Uber”. Economistas sustentam que essa força tecnológica ajuda a explicar por que a inflação não subiu depois que caiu o desemprego em países como os Estados Unidos.

No Brasil, essa é, por ora, apenas uma tese, defendida pelo economista Carlos Thadeu de Freitas Filho, responsável pelo boletim Termômetro da Inflação, da Ativa Investimentos. O efeito do choque tecnológico estaria aparecendo em especial nos preços das refeições fora de casa, que a partir de 2015 têm aumentado menos do que o esperado, diante do avanço dos preços dos alimentos em geral e dos custos das empresas da área. Nesse mercado, há várias startups atuando, como Uber Eats, iFood e Rappi.

Essa força pode estar agindo de forma mais disseminada na economia, afirma ele. “Desde 2016 a inflação tem ficado consistentemente abaixo do projetado pelo Banco Central e pelo conjunto dos economistas do setor privado”, afirma Freitas Filho. O desemprego brasileiro ainda é bem alto, diferentemente dos EUA, mas os especialistas em geral previam que, no atual estágio do ciclo econômico, a inflação fosse maior. “Os choques tecnológicos podem ser parte da explicação.”

Há empresas de tecnologia, argumenta, atuando em vários dos principais serviços que fazem parte do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), como nos casos de aluguel residencial (Quinto Andar), hotéis (Airbnb e Expedia), serviços pessoais (Singu, plataforma para contratar manicures e cabeleireiros), transporte urbano (Uber, 99, Cabify) e serviços bancários (bancos digitais e outras fintechs).

Nesses outros serviços, a contribuição deflacionária das novas tecnologias não é tão clara. Dos segmentos acima, apenas a tarifa de táxi (alta de 1,28%) cresceu abaixo do IPCA cheio (2,54%) no período de 12 meses encerrados até outubro. O fato de subirem mais que o IPCA, porém, não necessariamente invalida a tese de que novas tecnologias estão segurando a inflação. Sem elas, os reajustes poderiam ser mais fortes ainda, tendo em vista a evolução de custos de cada segmento e o grau de ociosidade da economia.

Para Freitas Filho, as novas tecnologias funcionam, na prática, como um choque de oferta, que permite usar de forma mais intensiva recursos que estavam subaproveitados (como carros e apartamentos) e incentiva empresas mais produtivas (como restaurantes que atendem apenas pedidos de aplicativos). Além dos aplicativos de serviços, plataformas de comércio eletrônico podem estar atuando para disciplinar a inflação de outros produtos, de eletrônicos a roupas, ao facilitar a comparação de preços e ampliar a competição.

Outros economistas ouvidos pelo Valor concordam que, de fato, novas tecnologias podem estar atuando para conter a inflação. Muitos deles dizem que, no exterior, o “efeito Uber” e o “efeito Amazon” estão sendo confirmados por sólida pesquisa econômica, enquanto que aqui essa seja ainda apenas uma hipótese, por mais plausível que seja.

“Esses apps favorecem a pesquisa de preços, reduzem ineficiências em canais de venda”, diz o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, ex-diretor de Política Econômica do Banco Central. “Essas inovações podem momentaneamente achatar a curva de Phillips, mas não a eliminam”.

Ele se refere à equação que relaciona a inflação ao grau de ociosidade da economia, que na sua versão original é representado pela taxa de desemprego. Quando a curva de Phillips fica mais achatada, a inflação responde menos à redução da capacidade ociosa da economia.

Freitas Filho pondera que o choque de novas tecnologias não é a única variável que está disciplinando os preços de serviços. A crise fiscal vem atingido alguns Estados mais que outros, e este fator pode estar por trás do fato de que a inflação de alimentos fora do domicílio está mais contida no Rio de Janeiro (apenas 0,55% nos 12 meses até outubro) do que em São Paulo (4,56%).

São Paulo está à frente da média do país no ciclo de retomada da economia. Mas, argumenta o economista, tem apresentado uma inflação em serviços menor do que seria esperado, dado o menor grau de ociosidade de sua economia. Essa seria uma indicação de que outros fatores agem para disciplinar os preços.

“O ‘efeito Amazon’ tem sido parte do debate lá fora”, reconhece o economista-chefe do UBS Brasil e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, Tony Volpon. “Temos que ter cuidado em ‘importar’ isso para o Brasil sem ponderar as diferenças. Por exemplo, qual é a quantidade de compras que são feitas aqui on-line versus os Estados Unidos?”

“É difícil de comprovar que realmente esteja acontecendo no Brasil”, diz outro economista de uma instituição financeira, que tem debatido internamente o assunto, mas sem pesquisas econômicas mais rigorosas. “É possível que tenha um pouco do efeito das novas tecnologias na inflação, mas isso vale pouco para Brasil ainda, e muito mais para o mundo desenvolvido e China.” Para ele, a recessão mal curada e a inflexão da política fiscal e parafiscal explicam muito da inflação baixa.

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