EUA e China assinam acordo que dá alívio à guerra comercial

Cartas Mensais

EUA e China assinam acordo que dá alívio à guerra comercial

O acordo serve de cessar-fogo a uma guerra comercial de dois anos, mas deixa em vigor as tarifas cobradas pelos EUA sobre US$ 370 bilhões em produtos chineses, cerca de 75% das exportações da China para os EUA

Por Bob Davis, Lingling Wei e William Mauldin — Dow Jones Newswires, de Washington 16/01/2020

O vice-premiê chinês, Liu He, e o presidente Donald Trump anunciaram osprincipais pontos do acordo na Casa Branca — Foto: Evan Vucci/AP

EUA eChina assinaram um acordo comercial que, segundo autoridades, levará a umaumento acentuado das vendas de produtos e serviços americanos à China, abrirámais o mercado chinês a empresas estrangeiras - principalmente no setor deserviços financeiros - e trará mais proteção a segredos comerciais e àpropriedade intelectual.

Oacordo, de oito partes, serve de cessar-fogo a uma guerra comercial de doisanos que agitou os mercados e afetou o crescimento mundial. Mas deixa em vigoras tarifas cobradas pelos EUA sobre cerca de US$ 370 bilhões em produtoschineses, cerca de 75% das exportações da China para os EUA.

Possíveis reduções tarifárias ficarão para eventuais negociações posteriores, que abarcarão uma série de problemas espinhosos que estão no centro da batalha comercial, incluindo subsídios da China às suas empresas. Não se prevê que essas negociações comecem em breve, menos ainda que sejam concluídas antes da eleição presidencial americana de novembro.

À uma enorme plateia de líderes empresariais e políticos na Casa Branca, o presidente Trump disse que as tarifas remanescentes “vão todas cair” se as negociações levarem a uma segunda fase. Ele chamou o acordo de “um passo muito importante, que nunca foi dado com a China, na direção de um futuro de comércio leal e recíproco”.

O presidente chinês, Xi Jinping, enviou carta a Trump na qual disse que o acordo mostra que os dois países conseguem “lidar com os problemas e solucioná-los devidamente, com eficácia, com base na igualdade e no respeito mútuo”.

O vice-premiê chinês, Liu He, que assinou o acordo, destacou a necessidade de os dois países atuarem juntos para enfrentar desafios como terrorismo, envelhecimento da população e proteção ambiental. “A China implementou um sistema político e um modelo de desenvolvimento econômico que atende a suas próprias características”, disse Liu. “Mas isso não significa que China e EUA não possam trabalhar juntos.”

Embora o acordo traga claros ganhos para os EUA, o fato de a maioria das tarifas sobre produtos importados da China continuar em vigor enfraquece a perspectiva de retomada dos investimentos empresariais entre os dois países, disse John Frisbie, especialista em China da consultoria Hills & Co. “A incerteza geral não diminui muito, porque não houve retirada das tarifas existentes e pelas dúvidas sobre se a China poderá comprar a quantidade de produtos e serviços que o governo americano quer”.

As ações americanas dispararam desde que os países anunciaram o acordo. Em Nova York, o índice Dow Jones fechou ontem pela primeira vez acima dos 29 mil pontos. Mas a reação do mercado à assinatura efetiva foi contida, o que sugere que os investidores viram pouca surpresa no texto final.

“Basicamente reiteraram que esse acordo tinha sido concluído”, disse Mike O’Rourke, estrategista de mercado da JonesTrading.

A Casa Branca vê o acordo comercial como uma vitória política que terá impacto na eleição de novembro. Trump poderá enaltecer o acordo e dizer que ele é o único capaz de pressionar Pequim com sucesso por mais concessões. “O presidente viu uma oportunidade de avançar com a posição dos EUA, numa época em que os chineses vivem grande turbulência política e econômica”, disse Jason Miller, ex-porta-voz da Casa Branca.

Mas o ex-vice-presidente Joe Biden, presidenciável pelo Partido Democrata, deixou claro que tentará evitar que Trump capitalize o tema. Ele criticou as cláusulas do pacto como “vagas, fracas ou incluídas em anúncios anteriores e em acordos preexistentes”.

O acordo está estruturado como se fosse entre iguais, mas é Pequim que está fazendo quase todas as concessões política e de compras. O pacto se concentra intensivamente nas reclamações dos EUA de que o governo e as empresas da China obrigam as americanas a entregar tecnologia a concorrentes.

Pequim nega essa coerção e se comprometeu outras vezes a garantir que não haverá pressão. As duas páginas sobre transferência de tecnologia vão além de outros acordos assinados pela China que tratavam da questão. Segundo o acordo, “nenhuma das partes exigirá ou pressionará” pela transferência de tecnologia para que negócios sejam concluídos ou em troca de aprovações regulatórias.

No entanto, a seção sobre o tema não obriga a China a alterar nenhuma lei ou regulamentação para cumprir suas obrigações.

Em troca, os EUA concordaram em reduzir pela metade as tarifas sobre o equivalente a US$ 120 bilhões em produtos chineses, para 7,5%, e desistiram de outras tarifas que tinham planejado. Esses compromissos não constam do texto.

O acordo está escrito num jargão jurídico e comercial que será analisado minuciosamente por especialistas em comércio e direito.

Em outras seções, a China concordou em reforçar a proteção de segredos comerciais e avaliar sanções penais por “apropriação intencional indevida de segredo comercial”. O aumento das sanções era uma prioridade do governo Trump. Mas boa parte da seção sobre propriedade intelectual é pouco específica sobre regras para novas áreas. A parte farmacêutica não incluiu alvos específicos e não continha expressões sobre a defesa de medicamentos ante os genéricos, um objetivo importante dos grandes laboratórios americanos.

O acordo também exige que a China seja rápida em aceitar o ingresso de cartões bancários e de sistemas de pagamentos interessados em ter acesso ao mercado chinês, e o texto cita Mastercard, Visa e American Express especificamente. Os EUA já tinham movido processos na Organização Mundial do Comércio (OMC) para conquistar esse acesso para provedores de pagamentos americanos, mas a China não finalizou a permissão de acesso para as empresas em nenhum dos casos.

Os EUA também prometeram continuar a abrir seu mercado para o sistema UnionPay, da China, num dos poucos compromissos dos EUA no acordo.

As disposições do acordo estão sujeitas a um mecanismo para garantir seu cumprimento, que prevê várias rodadas de consultas. Se os dois lados não chegarem a um acerto, a parte reclamante poderá adotar “medidas de reparação de maneira proporcional” - jargão comercial para voltar a impor tarifas. Na prática, os EUA devem ser a parte a apresentar queixas, porque é a China que se compromete a fazer alterações e aumentar suas compras.

Desde que a imposição de tarifas seja de boa-fé, Pequim concordou em não retaliar. Mas os requisitos de boa-fé e proporcionalidade dão à China bastante espaço para agir. Em vez de retaliar com tarifas, o acordo diz que a parte cujas ações levaram à queixa pode se retirar do acordo.

Mas não está claro se as empresas americanas, temerosas de uma possível retaliação da China, encaminharão eventuais disputas para o mecanismo de garantia de cumprimento do acordo. A maioria dos acordos comerciais usa painéis de arbitragem para resolver suas disputas, por considerar eles que podem ser imparciais.

“A seção de resolução de disputas terá o mesmo problema que sempre enfrentamos: as empresas americanas relutam em tornar-se garotos propaganda para os problemas de acesso ao mercado ou de tratamento discriminatório”, disse James Green, ex-negociador comercial dos EUA em Pequim sob o governo Trump.

A maior seção do acordo cobre as compras chinesas (veja quadro ao lado). Pequim se comprometeu a comprar US$ 200 bilhões adicionais em mercadorias, divididos entre 2020 e 2021; o acordo prevê US$ 77 bilhões em compras extras no primeiro ano e US$ 123 bilhões no segundo ano.

Ao longo desses dois anos, as metas são de que a China eleve as suas compras em cerca de US$ 78 bilhões em produtos manufaturados, em US$ 32 bilhões em produtos agrícolas, em US$ 52 bilhões em energia e em US$ 38 bilhões em serviços, a partir dos níveis de 2017. Pelo acordo, foram acertadas metas específicas para setores, mas o governo informou que essas metas não foram divulgadas para evitar distorções nos mercados.

Em 2017, os EUA exportaram US$ 186 bilhões em bens e serviços. Para cumprir as metas do acordo, as exportações para a China teriam de subir para US$ 263 bilhões em 2020 e US$ 309 bilhões em 2021, uma alta sem precedentes na história do comércio dos EUA.

O aumento exorbitante projetado para as exportações provocou ceticismo em alguns beneficiários potenciais. Por exemplo, Liu disse que as compras não seriam feitas à custa de outros países. Isso poderia tornar mais difícil para Pequim cumprir as metas de compra.

“É um otimismo muito cauteloso”, disse Nathan Jeppson, executivo-chefe da Northwest Hardwoods, um dos maiores produtores americanos de madeira para construção. “Não vamos mudar nada sobre nossos planos de produção.” disse Michelle Erickson-Jones, produtora de trigo de Montana que fala pelo grupo antitarifas Farmers for Free Trade (agricultores pelo livre comércio). “As promessas de compras elevadas são animadoras, mas agricultores como eu só vão acreditar nisso quando virem.”

Outras Publicações