Entre os pregões de 21 e 30 de outubro houve aportes externos, que somaram R$ 3,1 bilhões líquidos
Por Ana Carolina Neira — De São Paulo 05/11/2019
Em outubro, o alívio nas tensões comerciais entre China e Estados Unidos, junto à finalização da votação da reforma da Previdência, se refletiram não apenas nos recordes alcançados pelo Ibovespa, mas também no retorno, ainda que lento, do investidor estrangeiro. Com menor aversão ao risco lá fora e uma agenda econômica encaminhada por aqui, essa classe de investidor vai, aos poucos, criando um sentimento mais otimista em relação ao mercado de ações brasileiro.
Para analistas ouvidos pelo Valor, ainda não é possível falar em uma inversão de tendência, mas os sinais já são de uma melhora da disposição do investidor externo para aplicar em Brasil. Entre os pregões dos dias 21 e 30 de outubro houve, em todos eles, aportes de estrangeiros, somando R$ 3,1 bilhões no período. Desde março deste ano, a bolsa não via um período de tantos dias consecutivos de ingressos de recursos.
Ainda que, de acordo com dados disponibilizados pela B3 até o dia 31 de outubro, o saldo de fluxo estrangeiro no mercado secundário da bolsa ainda estava negativo em R$ 9,7 bilhões no acumulado do mês, pode haver desde já uma ligeira mudança de sentimento em relação aos ativos de risco, com destaque para Brasil, dizem analistas.
É importante reforçar que, no ano, a retirada de recursos sobe para R$ 30,4 bilhões, volume que já supera a retirada de R$ 23,03 bilhões do período de janeiro a outubro em 2008, quando o mundo atravessa uma crise financeira.
Na avaliação de Ronaldo Patah, estrategista para mercados emergentes do UBS no Brasil, um conjunto de fatores colabora para que os estrangeiros tenham começado, aos poucos, a colocar dinheiro no Brasil. “A reforma da Previdência foi aprovada e, principalmente, outubro foi marcado por avanços mais concretos na disputa comercial. Em um mundo de juros mais baixos, com essa sinalização de apaziguamento, é natural que haja uma busca por ativos de risco.”
Ele também aponta que os fundamentos de Brasil reforçam esse movimento, já que o país conta com indicadores ligeiramente melhores, uma taxa de juros na mínima histórica de 5% ao ano, inflação ancorada e encaminhamento da crise fiscal. “Nos últimos meses vimos uma fuga em geral de ativos de países emergentes, devido ao cenário global mais desafiador. Agora, a tendência é que os próximos meses sejam de menor turbulência na crise comercial do que foram os últimos 18 meses, o que deve redirecionar esse fluxo de volta para os emergentes. E, entre eles, o Brasil destaca-se”, diz.
Na avaliação de Lucas Tambellini, estrategista do Itaú BBA, houve alguma mudança de visão dos estrangeiros nas últimas semanas. Colaboraram para isso falas de autoridades como o presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano), Jerome Powell, que após reduzir a taxa de juros de curto prazo dos EUA para um intervalo entre 1,5% e 1,75%, na semana passada, sinalizou que este deve ter sido o último de três cortes. Agora, o Fed vai “esperar e observar”, indicando que a economia americana está mais distante do risco de uma recessão. Na última sexta-feira, foram divulgados dados de criação de vagas de trabalho nos EUA acima das expectativas, que reforçam a impressão de que a maior economia do mundo vai bem.
“Tínhamos um acirramento da disputa comercial, medo de desaceleração global, indicadores aquém do esperado no Brasil. Mas tudo foi se revertendo e, especialmente aqui no Brasil, fica uma sensação de que estamos no caminho certo. Assim o estrangeiro vai olhando com mais carinho para o nosso mercado, busca mais risco”, afirma Tambellini, do Itaú BBA.
O estrategista da Santander Corretora, Ricardo Peretti, concorda que o movimento recente de entrada de recursos externos pode ser o começo de uma reversão, mas que ainda é difícil cravar que o passado de retiradas tenha ficado para trás.
“Em meses passados até vislumbramos uma entrada que depois foi anulada por fluxos negativos. Se hoje eu precisasse escolher um catalisador capaz de reverter esse cenário mais positivo que vimos nos últimos pregões seria o ambiente internacional”, afirma, citando que novos aprofundamentos na crise entre as duas maiores economias do mundo poderiam mudar o humor do mercado global e causar uma reversão de fluxos.
A vinda do investidor estrangeiro pode ganhar um novo impulso na virada do ano, quando muitos gestores começam a colocar em práticas suas estratégias, acredita o gestor de renda variável da Western Asset no Brasil, Cesar Mikail.
“Entre o fim e o início do ano as grandes instituições, como bancos, começam a procurar mais as empresas e passam a rever suas estratégias, então acho que no curto prazo vamos ver os estrangeiros vindo para cá em busca de maior rentabilidade”, diz.
Ele ressalta a importante participação dos investidores locais como a grande responsável por sustentar a alta da bolsa no ano - o Ibovespa acumula um avanço de mais de 23% no período. Mesmo nos momentos de saída do capital externo, o índice manteve alta e renovou máximas, sustentado pela onda compradora de fundos locais institucionais e da pessoa física. De janeiro a outubro, os institucionais estão com uma entrada de R$ 29,1 bilhões no mercado secundário; já as pessoas físicas mantêm um aporte de R$ 8,5 bilhões - maiores volumes desde 2011.
“Mesmo que haja desafios lá fora, taxas de juros mundialmente mais baixas significa excesso de dinheiro no mundo e isso passa pelo Brasil. Somos um dos poucos emergentes que está fazendo o que é preciso para melhorar a economia e ter um crescimento relevante”, avalia Mikail, da Western.