Já abordamos outras vezes o assunto dos juros brasileiros estarem em uma tendência de queda, o que foi chancelado ontem com mais um corte de 0,50% na Selic levando a taxa a 5,00% ao ano e para uma nova mínima histórica. Em seu comunicado, o BC realizou uma mudança no tom, com o objetivo de esfriar os ânimos de alguns investidores que já contavam com mais cortes. A verdade que se concretiza é de que devemos ter juros baixos por mais tempo, uma vez que a inflação persiste sem mostrar sinais de reação e seguindo abaixo da meta tanto neste como no próximo ano. Peço desculpas adiantado por estar me repetindo aqui novamente sobre este tema, mas é que a importância deste assunto para os investimentos dos brasileiros é realmente grande. A dinâmica dos rendimentos dos ativos no mercado brasileiro, tende a mudar, se aproximando dos mercados desenvolvidos onde o cenário é uma realidade a mais tempo. A tendência da migração de investimentos em renda fixa indexados ao juros para investimentos de maior risco como multimercados e renda variável se mostrou relevante ao longo deste ano e deve se intensificar nos próximos anos. A busca de melhores retornos tem resultado em uma melhora na dinâmica do mercado local. É preciso maior cuidado na estruturação de um portfólio, já que a busca por maiores retornos pode resultar em grandes perdas se feita de forma errada.
Algumas instituições financeiras já falavam em taxa básica descendo à casa dos 3%
Por Lucas Hirata e Lucinda Pinto — De São Paulo 31/10/2019
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deixou ontem uma mensagem clara para o mercado financeiro: a taxa básica de juros deve testar novas mínimas históricas nos próximos meses, mas não está em queda livre. Na avaliação de analistas ouvidos pelo Valor, a cautela adotada pelo colegiado alinha expectativas e freia a euforia, que vinha crescendo dia após dia, com um ritmo agressivo de corte da Selic, talvez, até a casa de 3%.
“O Copom joga um balde de água fria nas casas que estavam esperando aceleração de ritmo de cortes ou queda do juro para menos de 4%”, afirma Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos. “Se os dirigentes estão vendo uma recuperação mais forte da economia, não podem deixar o mercado esperar Selic muito mais baixa do que acreditam ser factível. Foi um posicionamento correto para guiar as expectativas”.
Ontem, o colegiado decidiu, por unanimidade, reduzir a Selic pela terceira vez no ano, de 5,5% para 5%, e sinalizou que um ajuste adicional está por vir em dezembro. Mas ele será de “igual magnitude”, o que calibra as expectativas para uma taxa de 4,5% e derruba a tese de uma queda ainda maior no fim de 2019. Parte do mercado já vê o fim do ciclo em dezembro, enquanto outros seguem projetando cortes em 2020, mas em ritmo contido.
“O Copom mostra que, para frente, precisa ter bastante cautela, o que deixa claro que a intenção é pausar por aí”, afirma Guilherme Loureiro, economista-chefe da Trafalgar Investimentos. “Ele só voltará a cortar se a atividade desapontar.”
No comunicado que acompanhou a decisão de juros, o colegiado disse entender que o atual estágio do ciclo econômico recomenda cautela em eventuais novos ajustes no grau de estímulo. Para parte dos analistas, o posicionamento do colegiado deve resultar até numa correção das apostas no mercado, com alguma alta nos juros futuros de curto prazo, que adentraram numa tendência quase ininterrupta de baixa há meses.
“O BC consegue com algumas frases e colocações indicar que não vai cortar 0,75 ponto percentual da Selic e que o ciclo de cortes não será tão longo quanto alguns agentes esperavam”, diz Luis Bento, economista da Rio Bravo. O colegiado “sinaliza que derrubar a Selic para 3,75%, por exemplo, é bastante improvável. O comunicado traz um alinhamento importante para o mercado”, diz.
Para Camila Abdelmalack, economista-chefe da CM Capital Markets, o próprio Copom precisa entender como a economia vai reagir no atual nível de juros. “Como vai ser a transmissão dessa expansão monetária na trajetória de inflação?”, observa. “Tudo mais constante, o Copom deve cortar o juro em mais 0,5 ponto e então encerrar o ciclo. Se algo mudar, aí ele vai reagir conforme o cenário.”
Isso significa que o colegiado se apoia no argumento da cautela para ganhar mais liberdade para encerrar o ciclo ou diminuir mais os juros após a próxima reunião. Essa é a avaliação de Rafael Gonçalves Cardoso, economista-chefe da Daycoval Asset Management. Ainda assim, ele avalia revisar seu cenário, de Selic em 4,5% no fim de 2020, e incorporar novos cortes da taxa no começo do ano que vem.
O que respalda a leitura de continuidade são as projeções do Copom para inflação em 2020, que seguem bem abaixo da meta, de 4%, nos cenários de Selic em 4,5%. Isso significa que há espaço para reduzir um pouco mais a taxa básica de juros no ano que vem. Após a leitura do comunicado da decisão do Copom, o economista Juan Jensen, da consultoria 4E, revisou seu cenário para o rumo da Selic. Antes, o especialista esperava que o juro cairia mais 0,25 ponto na reunião de dezembro, encerrando o ciclo. Agora, ele trabalha com um corte da taxa para 4,5% em dezembro e uma redução adicional de 0,25 ponto no encontro de fevereiro.
O Itaú Unibanco trabalha com o cenário de queda da Selic para 4,5% em dezembro, seguido de dois cortes mais contidos, de 0,25 ponto, em fevereiro e março, o que resulta numa taxa de 4% no primeiro trimestre.
A partir de então, o rumo da política monetária dependerá de novos indicadores econômicos. Inclusive, Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco, não descarta a possibilidade de a Selic cair abaixo de 4%, mas vê uma alta de juros somente em 2021. “É cedo para falar se iria para abaixo de 4%. Acho que não é muito claro se isso vai ocorrer, vai depender de dados. O que fica claro é que se for para menos de 4% vai ser em ritmo de corte de 0,25 ponto”.
Embora a comunicação do Copom tenha vindo mais cautelosa, buscando refrear expectativas muito ousadas para o rumo da taxa Selic, o cenário de inflação apresentado no comunicado da decisão de ontem mostra que há espaço para a Selic cair abaixo dos 4%. Essa é a visão do economista-chefe da Garde Asset Management, Daniel Weeks. Ele trabalha com mais dois cortes de 0,5 ponto percentual da Selic, o que levaria a taxa para 4%. Mas diz que o viés é um corte adicional, que levaria o juro para 3,75%.
“As projeções mostram espaço para corte de juros, nelas cabem uma Selic abaixo de 4%”, afirma Weeks. “Então, parece que o BC quis compensar no discurso.” Um dos riscos mencionados pelo Copom, que não estava no comunicado anterior, é o efeito defasado dos cortes já realizados. Isso justifica a cautela - o que poderia se traduzir em mais um corte de 0,5 ponto percentual e outros dois de 0,25 ponto. “A questão é que, quando chegar em fevereiro, acho difícil que o Copom consiga desacelerar o ritmo, por causa da inflação”, afirma. “Por isso meu cenário base ainda é de mais dois cortes de 0,5 ponto, com chance de um corte adicional de 0,25 ponto.”
Weeks diz que, em seu modelo, o cenário para a inflação é ainda mais favorável do que o do BC. Ele prevê um IPCA de 3,10% em 2019 e de 3,4% em 2020, ano em que o PIB deve crescer 2,5%.