Visão MZR
Ao que tudo indica, os risco de uma retração do PIB brasileiro para o terceiro trimestre estão mitigados, porém os indicadores mostram uma retomada lenta e gradual do crescimento. No entanto, os desafios ainda são grandes tanto no âmbito local quanto no exterior, com a agenda de reformas na qual a previdência é apenas a primeira, e com os impactos do crescimento global que surtem efeitos em nossa economia. Os sinais são positivos mas o caminho ainda é longo até o Brasil se recuperar da recessão vivida nos últimos anos, afinal tem que fazer um grande ajuste fiscal nas contas e conjunto a isso coordenar um série de mudanças estruturais. Não é uma tarefa fácil de se fazer, principalmente em um país com o histórico de assistencialismo como o nosso, refletido na dificuldade ao se tratar estes temas na política, que pode ser visto no caso da derrota sofrida ontem pelo governo em um dos destaques da reforma da previdência, que viu sua economia encolher R$ 76,4 bilhões, o que deve deixar o a proposta em aproximadamente R$ 800 bilhões para os próximos 10 anos. O valor ainda se mostra bem acima da expectativa do mercado, mas a derrota de ontem coloca em risco mais 200 bilhões e provoca reações negativas no mercado local. A nossa trajetória está longe de ser tranquila, e momentos de otimismo e pessimismo serão recorrentes ao longo deste percurso. No entanto os dados mostram que estamos seguindo na direção certa, com ventos fracos ainda soprando ao nosso favor mas que já ajudam a navegar em uma direção melhor para o futuro do país.
Risco de queda ou estagnação no 3º trimestre fica para trás e PIB deve ter alta semelhante à do 2º tri, de 0,4% em relação aos três meses anteriores
Por Arícia Martins — De São Paulo 02/10/2019 05h00
Com boa parte dos índices de atividade já conhecida para o terceiro trimestre, o risco de queda ou estagnação do Produto Interno Bruto (PIB) no período ficou para trás. Segundo especialistas, uma série de dados - como a confiança de empresas e consumidores, a geração de empregos formais e as concessões de crédito para pessoa física - aponta que o PIB teve desempenho parecido ao do segundo trimestre, quando cresceu 0,4% sobre os três meses anteriores, feitos os ajustes sazonais.
Mesmo sem sinais de aceleração adicional, há uma interpretação mais benigna dos números por economistas. Isso porque, há cerca de dois meses, não eram raras projeções de perda do ritmo de atividade em relação ao segundo trimestre, que contavam, inclusive, com recuo do PIB.
Divulgada ontem pelo IBGE, a produção industrial de agosto, que subiu 0,8% ante julho na comparação dessazonalizada, reforçou essa avaliação um pouco mais favorável. A expansão, no entanto, foi concentrada na indústria extrativa, que deu salto de 6,6% na passagem mensal.
Já a indústria de transformação deve ter mostrado fraqueza dentro do PIB, afetada pela perda de fôlego da economia global e pelo elevado nível de incertezas na economia doméstica, que inibe reação dos investimentos produtivos, afirmam economistas. Do outro lado, a melhora das condições financeiras desenha um cenário de maior dinamismo para o consumo, indicando mais uma vez um PIB puxado pelo comércio e pelos serviços.
Com 60% dos dados usados para projetar o PIB divulgados para o terceiro trimestre, o Itaú Unibanco estima de forma preliminar que a economia brasileira cresceu 0,4%, mesmo comportamento do trimestre anterior. “Há cerca de um mês e meio, essa mesma projeção indicava queda, mas houve uma melhora nos dados”, diz o economista Luka Barbosa. Afastaram a possibilidade de retração indicadores como o volume de vendas do varejo e a receita do setor de serviços de julho, que cresceram 0,7% e 0,8%, respectivamente.
No rol de surpresas favoráveis estão a alta da produção industrial em agosto e a importação de bens intermediários do mês passado - um dos poucos antecedentes industriais já conhecidos referentes a setembro -, que apontam para nova alta no mês passado, diz Barbosa. “Não nos parece que há aceleração, mas os dados afastam a possibilidade de um terceiro trimestre negativo”, afirma ele.
Para Barbosa, a perda de fôlego da economia global é o fator que explica por que a reação da atividade doméstica não ganhou tração. O cenário externo afeta a indústria brasileira reduzindo as exportações de manufaturados, diz ele. Além disso, a evolução dos investimentos tem alta correlação com as cotações internacionais de commodities, que estão em queda, acrescenta.
Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, destaca o elevado nível de incerteza no ambiente econômico como entrave à retomada da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas, construção civil e inovação). Mais uma vez, o consumo das famílias deve ter garantido a expansão de cerca de 0,3% esperada para o PIB entre julho e setembro, enquanto os investimentos não decolaram, avalia.
Além da produção industrial, Solange menciona a melhora da confiança, de indicadores da construção civil e de dados de mercado de trabalho - esta última ainda bastante tímida - como sinais de que a atividade está em reação, mas em ritmo lento. “O fundo do poço ficou para trás, mas a recuperação segue lenta e gradual”, diz ela.
Do lado positivo, a economista aponta o afrouxamento das condições financeiras. Não só a Selic caiu bastante, mas também a curva longa de juros, movimento que tem efeito positivo sobre a “economia real” com defasagem e, por isso, deve ficar mais claro no quarto trimestre, aponta ela. Nos últimos três meses do ano, o impacto dos saques do FGTS sobre o PIB também será mais relevante, acrescentou.
Para Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Fibra, estão se formando condições para crescimento superior a 0,75% por trimestre, e o mercado de crédito é um dos fatores que sinalizam essa tendência. Em agosto, mencionou, as concessões para pessoa física e jurídica aumentaram 1,6% e 2,3% sobre julho, respectivamente, séries já dessazonalizadas e deflacionadas.
Essa melhora é importante porque impulsiona o consumo, uma vez que a demanda das famílias depende basicamente da renda disponível e do crédito, diz Oliveira. E, no mercado de trabalho, a geração de 121,4 mil vagas formais em agosto mostrou que o pior momento já ficou para trás, afirma o economista.
Há efeito positivo do crédito no varejo e nos serviços, setores que também se beneficiam da melhora incipiente no emprego, diz Rodrigo Nishida, da LCA Consultores. A LCA também espera que o PIB mostre ritmo semelhante ao do segundo trimestre no período seguinte. “Ainda que mais concentrada em postos informais, a ocupação está aumentando, o que gera ganhos na massa real de renda”, afirma ele. A injeção de recursos extras com os saques do FGTS também deve ter dado algum fôlego ao consumo a partir de setembro.
O mês passado ainda contou com dois dias úteis a mais do que igual período de 2018, outro vetor que atua a favor do nível de atividade, observa Nishida. Mesmo assim, o desempenho médio da indústria no terceiro trimestre tende a ser pífio, pondera.
A volatilidade do ambiente externo é relevante para explicar por que o setor manufatureiro seguiu em ritmo fraco, avalia Nishida. “Temos um cenário de desaceleração do comércio global, em que todos os industriais no mundo estão procurando algum mercado pra colocarem seus produtos.”