Esther George, do Fed de Kansas City, foi um dos votos contrários ao corte de juros pelo BC dos EUA em sua última reunião
Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), se deparou com uma divisão entre as autoridades do banco central dos Estados Unidos ao realizar um corte nos juros no mês passado, com algumas delas pedindo um afrouxamento mais agressivo da política monetária e outras resistindo a qualquer ação, complicando sua tarefa enquanto avalia os próximos passos a serem tomados.
A ata da última reunião do Comitê de Mercado Aberto do Fed (Fomc, na sigla em inglês), encerrada em 31 de julho, revela que a maioria das autoridades do banco central americano viu a redução de 0,25 ponto percentual na taxa referencial de juro como uma "recalibrada da posição sobre a política monetária, ou um ajuste de meio de ciclo, em resposta à evolução das perspectivas econômicas".
No entanto, em meio a esse consenso geral, houve uma variedade de pontos de vista dentro do Fomc. "Alguns dos membros disseram que prefeririam um corte de 0,50 ponto percentual nos juros imediatamente", mesmo não divergindo formalmente da decisão, apontando para a necessidade de "medidas mais fortes" contra a "teimosia da inflação em permanecer baixa".
Mas "várias" autoridades decidiram em favor de manter os juros inalterados, "julgando que a economia real continuava bem posicionada". Duas dessas autoridades, Esther George, presidente do Fed de Kansas City, e Eric Rosengren, presidente do Fed de Boston, votaram contra a decisão do comitê. A diversidade de pontos de vista sobre o corte nos juros no mês passado contribui para o desafio que Powell enfrenta antes da próxima reunião do Fed, em setembro, quando os investidores esperam uma nova decisão do banco central por uma redução dos juros.
Os rendimentos dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos subiram ontem diante da divulgação da ata, indicando uma queda nos preços. O rendimento dos títulos de dois anos, sensíveis à política do Fed, subiu cinco pontos-base, para 1,56%, enquanto o rendimento do título referencial de dez anos do Tesouro ficou em 1,59%.
Um indicador de recessão do mercado de bônus que é acompanhado com atenção continuou "piscando a luz vermelha", com a diferença entre o rendimento dos papéis de três meses e os bônus de dez anos aumentando para -0,38 pontos-base - a indicação mais negativa desde o começo da crise financeira há mais de uma década.
As ações americanas continuaram em território positivo depois da divulgação da ata, com o índice referencial Standard & Poor's 500 (S&P 500) subindo 0,82%, depois de sustentar os ganhos do começo do dia alimentados pelo otimismo com os gastos do consumidor. Ao mesmo tempo, o dólar caiu 0,05% em relação aos seus pares, depois de uma alta inicial.
Powell deve fazer um importante pronunciamento em Jackson Hole, Wyoming, em uma reunião dos principais banqueiros centrais do mundo nesta sexta-feira, que poderá oferecer pistas sobre o pensamento do Fed.
Matt Freund, diretor de estratégias de renda fixa da Calamos Investments, disse que a inversão da curva de rendimentos mostra que há pressões significativas dentro da economia. "O que Powell está admitindo é que, embora os cortes [dos juros] pelo Fed sejam incrivelmente poderosos no longo prazo, no curto prazo eles não contrabalançam as manchetes ruins, a guerra comercial, o Brexit e as possíveis reações do banco central. Isso é fundamental."
"Se o Banco Central Europeu começar uma campanha do tipo 'custe o que custar', ou se o dólar subir muito, o Fed terá a opção de se movimentar para compensar os danos", disse Freund.
Powell observou que está abordando o afrouxamento monetário com cautela, mas está sob pressão dos investidores e do presidente americano, Donald Trump, para se movimentar de forma mais decisiva.
Em seu mais recente desafio à independência do Fed, Trump chamou ontem Powell de um "jogador de golfe que não consegue dar tacadas leves" e disse que ele é o "único problema" que aflige a desaceleração da economia americana. "Acorda Federal Reserve", disse ele.
Segundo a ata, há sinais de que o Fed pende para uma ação mais agressiva. As autoridades discutiram como as taxas dos empréstimos baixas e os mercados de ações vigorosos "parecem se basear na expectativa de que o Federal Reserve vai afrouxar sua política para ajudar a compensar o peso para a economia" dos acontecimentos mundiais e "proporcionar alguma garantia" contra os riscos de queda.
"Umas poucas" autoridades do Fed estão preocupadas com a inversão da curva de rendimento dos Treasuries - que no passado sempre foi um sinal de aproximação de uma recessão -, afirmando que isso "pode indicar que os participantes do mercado antecipam condições econômicas mais fracas no futuro e que o Federal Reserve em breve terá de reduzir substancialmente a taxa dos fed funds em resposta".
Mas "várias" autoridades do Fed sugeriram que os formuladores de políticas deverão "permanecer flexíveis" e concentrados nos "dados recebidos" no futuro, considerando "a natureza de muitos dos riscos que eles julgam estar pesando sobre a economia, e a ausência de transparência em relação a quando esses riscos poderão ser resolvidos".
A defesa de cortes maiores nos juros foi reforçada um dia depois da reunião do Federal Reserve, quando Trump anunciou novas tarifas sobre uma série de importações chinesas, levando a uma nova escalada das tensões com Pequim e abalando os mercados financeiros.
As incertezas em torno do comércio internacional foram um dos principais motivos do corte nos juros decidido em julho, o primeiro desde a crise financeira. As autoridades do Fed ficaram tranquilas com a trégua acertada por Trump e Xi Jinping, o presidente da China, no encontro do G-20 em Osaka, no Japão, poucas semanas antes, mas esse acontecimento positivo foi desfeito pela nova escalada retórica do presidente americano.
Ainda não está claro o peso que o Fed dará aos riscos das incertezas comerciais e à desaceleração da economia mundial, em oposição às variáveis macroeconômicas, na avaliação de sua próxima movimentação. O crescimento do nível de emprego continua sólido, com o desemprego perto de patamares recorde de baixa e os gastos dos consumidores num bom nível, muito embora haja sinais de enfraquecimento na confiança. Mas, além da inflação morna, os maiores sinais de alerta sobre a economia dos EUA vêm das fraquezas dos investimentos corporativos e dos dados medíocres da produção industrial, que são mais influenciados pelo comércio e os acontecimentos mundiais.